quinta-feira, 5 de junho de 2008

Personagens VI

A noite estava escura. Escura e azulada como um dos filmes do Tim Burton. Quando saí de casa não sabia bem para onde ia. Ia. Porque me apetecia andar. Porque estava chateado com a vida e com a minha namorada. Ia em direcção ao nada que eu tinha lá fora. E ela sabia. E deixou-me ir…
Não planeava voltar. Mas voltaria porque não tinha mais nenhum sítio no mundo a que chamar meu. Nem mãe, nem pai, nem cão…Tinha uma namorada que me traiu. Mais nada. Devem estar a pensar que realmente não sou um tipo com sorte…Têm razão.
Enquanto vagueava pelas ruas cinzentas e vazias não pensava em nada. No fundo o facto de ter sido traído não tinha sido uma surpresa para mim. Ela era como eu. Não era flor que se cheire. Eu não a podia culpar. O que eu gostava é que me tivesse dito. Mas não. Limitou-se a dizer “foi só sexo, qual é a importância?”…E eu com cara de parvo a olhar para ela em cima da minha cama com outro gajo, os dois pedrados…Ela nem se dignou a ter medo da minha reacção. Não. Mandou-o embora e ele foi. Deu mais uma passa no charro e foi e ela continuou ali, à minha frente, nua e de pernas cruzadas, a fumar. Perguntou-me se queria uma passa e bem me apeteceu mas senti-me melindrado e zonzo. Saí.
Não é que estivesse a pensar casar com ela mas passei-me. Ainda por cima ela disse-me que só foi para a cama com ele pela droga. Até eu tenho princípios e sou escumalha.
Ok, meu. O que é que te falta para ser feliz?
Pensei. Realmente gajos como eu não merecem nada. Já fiz muita porcaria por aí. Já traí também. Mas agora não. Na verdade as minhas prioridades estão um pouco confusas.
Boa ou má ela sustentava-me. E ao vício. E sem ela eu não tinha nada. Teria de voltar. Se a noite azulada não me tivesse feito perder no meio da escuridão…
Deitei-me no canto da rua. Senti um bafo qualquer ao pé do meu ouvido mas eu já estava do outro lado…Cansei-me de andar, não sei. Cansei-me e perdi-me e deitei-me e depois não sei. Não me lembro…Nem me lembro de me levantar. Porque a noite azulada desapareceu sem deixar rasto e deixou-me uma dor de cabeça e o cheiro nauseabundo de um sem abrigo ao meu lado.
Fogo, o que é que aconteceu? Parece que levei com um martelo na cabeça. De volta ao caminho as pessoas olham para mim como se eu fosse um extra-terrestre. Olho para o espelho e vejo que está lá a figura normal. Um traste…É natural. Estou todo queimado. Vou para casa. De volta para a namorada infiel. Para o vício. É inevitável. É tudo o que eu tenho. E mais a ressaca…