quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Personagens 2

"Não deixa de ser engraçada a forma como às vezes nos relacionamos com os outros. Imagino que seja fácil para a maior parte das pessoas criar empatias, simpatias, laços...Para mim não é. Nunca foi. Às vezes imagino que ao falar com alguém vou desatar a gaguejar ou então perguntar uma coisa tão estúpida que vou fazer figura de parva...Então não falo. Para dizer a verdade acho que nunca fui de falar muito. Também não sei se alguém teria interesse em falar comigo por isso não me dou ao trabalho de tentar.









Não sou propriamente bonita e nem se pode dizer que seja interessante. Afinal, qual seria o interesse de uma rapariga que não consegue dizer duas palavras sem ficar vermelha como um tomate e sem começar a gaguejar porque tem medo de falar? Sinceramente, nenhum...E o pior é que eu sei disto tudo e não me dou ao trabalho de tentar mudar...Não me apetece...Mas porque é que eu mudaria? Para gostarem de mim? Sempre tive a teoria de que se ninguém gostasse de mim pelo que eu sou é porque não tinha de ser. E se ficar sozinha não me importa.









Na verdade o simples conceito de intimidade provoca-me arrepios. Não quero ninguém a entrar no meu espaço vital, a não me deixar respirar, a estar ali sempre, como uma sombra...Não quero. Mas confesso que gostava de ter mais amigos. Tenho alguns, sim, dois ou três, com quem posso conversar sem gaguejar e sem ficar vermelha. Porque os amigos respeitam o nosso espaço e não procuram intimidade. Os amigos vêem-nos como um ser humano completo, não nos dissecam em qualidades e defeitos...







Detesto quando os rapazes da minha turma me dizem que sou feia! Detesto e não é porque isso me magoe,porque não me magoa. Só que me irrita que digam isso quando nem sequer lhes dou importância, não falo com eles e a maior parte das vezes nem os vejo nos corredores. E se me apetecesse dizer que eram feios também dizia mas não é o tipo de coisa de que ocupe a minha existência. Por isso acho-os uma cambada de parvos. Confesso que se pudesse os mandava todos para a quinta dimensão...Mas como tenho mais que fazer da vida, a maior parte das vezes nem penso neles.







Mas o que mais me chateia é que achem que por não ser popular não seja feliz! Eu sou muito feliz! Hello! Será que é preciso ser o estereótipo de gaja boa para ser alguém na vida...Por favor...Será que essas pessoas são felizes só por serem o máximo para toda a gente? E para elas próprias, o que são? Lembro-me da Carla, uma colega do básico. Todos a consideravam muito boa e gira e essas coisas que os rapazes dizem. Ela não ligava a ninguém e, pelo contrário, detestava que a tratassem assim. Um dia disse-me que todos os rapazes com quem andava a consideravam burra porque nem se preocupavam em conhecê-la...Nem em andar com ela mais de duas semanas...Ela nem era burra, pelo contrário, era bastante esforçada. O único problema dela era deixar-se levar demais...









Os meus amigos são todos colegas da primária. São pessoas com quem me relaciono desde a idade da inocência e por isso são pessoas das quais realmente gosto. Falamos de tudo. Claro que acabamos por falar de relações e eles acham que eu devia ser mais relaxada, que devia estar mais aberta a novos conhecimentos, que me devia valorizar mais...Mas eu não me importo. E já lhes disse que não vou mudar por nada. Eles continuam a gostar de mim.





E assim passo os dias da minha adolescência, sem saber muito bem onde me colocar, diferente demais para caber no estereótipo de adolescente aceitável, igual demais para reconhecer marcas minhas na minha diferença...Acho que o mundo não me pede nada porque não tenho nada de novo para lhe dar.





Pensando bem, acho que teria razões de sobra para ser uma dessas adolescentes deprimidas por falta de compreensão e aceitação. Mas quem é que eles são para me oprimir? O que mais os chateia, a eles (a toda a gente perfeita deste mundo), é o facto de EU ser FELIZ, com todas as imperfeições que tenho, com as minhas diferenças, com tudo o que me faz estar "à margem" desta sociedade de aparências...E sou feliz porque sou eu própria, não sou uma cópia de ninguém...



E podem não acreditar, mas não há ninguém que eu inveje...Há raparigas da minha idade que olham para a televisão e fartam-se de dizer que queriam ser como esta ou como aquela, mas eu não queria ser ninguém senão eu...



A minha imagem não me preocupa.



No entanto, penso muito no meu futuro. Vejo-me a fazer alguma coisa grande mas ainda não sei o quê. Acho que tenho potencial para isso, seja o que for...

E vou avançando, pé ante pé, vou-me movendo no mundo sem saber bem como...Mas avanço. É verdade, avanço. E o importante é nunca parar de avançar...

Continua...

Sem comentários: